segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mulher, Vida eo Real

Eu sou mulher da vida
que lavanta cedo
Que descalça ou não
Pisa neste chão, duro chão,
chão de pedra,
chão batido,
chão lamacento,
chão violento...

Eu sou mulher da vida
Que cata papel,
papelão,
plástico,
garrafa pet,
alumínio,
Ás vezes, cato gente, gente que anda esquecida de si mesma
Cato o que não é mais lixo
Se preciso, a nado, cato no rio
Cato o que me da sustento
Não me importa o teu juízo
Não me importa o teu lamento.

Eu sou mulher da vida
Que anda pelas ruas,
Mesma ruas,
ruas diferentes,
ruas salientes,
ruas cumpridas,
ruas vazias.
Sobe canícula, sob chuva,
Não me importa o tempo,
Importa meu filho.

Eu sou mulher da vida
que puxa um carro,
carro de ferro, carro de madeira, carro de arame...
É o meu doce fardo,
minha inseparável cruz
Nele ponho o que cato- é meu trabalho!
fica pesado-que fazer?
Tenho força na mão, ar no pulmão, pé firme no chão.
Confiante,sigo! Não desisto não!


Eu sou mulher da vida
que mora num casebre, ou num barraco- mas é digno.
E se tenho algum abrigo,
é graças ao que não é mais lixo!
Lá tem luz, tem água, tem esgoto!
É um gosto!
Olha que até crio um porco- É pro ano novo!
Eu sei que não é novo, mas tem um fogão e forno- meu filho adora bolo!
A geladeira, que não nova,
me deu dona Norma.
Ainda tem um cão,
tem gato,
Ás vezes me aparece um rato, mas não meu não.

Eu sou mulher da vida
Que cata papel,
papelão,
plástico,
garrafas pet,
alumínio...
Isso também é dignidade...

Eu sou mulher que também ama a vida
apesar da desdita
que ama a sua vida,
embora sofrida
Que agradeço, contudo isso, sempre a Deus, o dia.


GustaOliveira


Gustavo, pedagogo e favelado do muquiço perdido pelo mundo catando frutos de esperanças

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O doador

Th é um garoto muito bom. Ajuda sua mãe em casa lavando a roupa, lavando louça, varrendo a casa e cuidando de seus irmãos, tudo que as pessoas pedem ele faz. A mãe de Th é uma mulher calejada da vida, ex usuária de droga, já espraguejou muito ele. Um belo dia perguntei pra ela, Vera por que você não deixa seu filho fazer parte da ong caridosa? lá ele vai aprender uma profissão, fazer teatro e jogar bola. Ela, com a certeza de que sabe que o melhor pra seu filho é estudar e fazer parte de um projeto social, mas se defrontando com a deusa realidade responde: Ah! o Th me ajuda muito em casa.

Depois de algumas insistências ela deixa o garoto entrar no projeto, mas alguma coisa não o prendeu lá dentro e ele passa a catar a vergonha da sociedade pelas ruas da favela. TH tambem passa a pedir na casa do vizinho da rua ao lado a vergonha de sua mãe, dinheiro pra comprar um leite e um pão. Th passa a pedir a mim e aqueles que os dão confiança a vergonha de nossa orgulhosa caridade um real pra jogar um flipe, comprar uma pipa ou pra rodar um pião. Seu olhar só expressa faltas e carências. Eu, como muitos, vou dando dez reais, uma camisa no natal, um prato de comida. Um conselho aqui outro ali. Inclusive Já dei até um tênis. Dia desses ele aparece com uma bicicleta. Quem o deu mora numa casa bem grande, tem um carro, uma moto “ralidvison” e uma casa de praia. Th era tão necessitado que eu só pensava no que eu podia te dar. Quando meus recursos foram ficando escassos eu passei a dar o maior tesouro que um ser humano tem guardado e que jamais irá faltar: as promessas. -Th, hoje estou quebrado quando melhorar eu te dou uma moral.

Th já teve várias profissões. Taxista de bolsas na fera, domador de cavalo e piloto de carro, não! essa, apesar das facilidades, ele não foi. Engraçado, pra quem montava em cavalo de quatro patas ser piloto o tiraria dessa vida de Playboy pedinte. Ainda mais com uma pista de corrida bem próxima da sua residência. Quem sabe um dia levantasse uma bandeira do Brasil estampada numa camiseta da Nike e comemorasse todo orgulhoso o seu primeiro ganho

Jamais vi Th entrando na casa das pessoas que distribuíam caridade. A vergonha ia até embrulhada num papel de presente, porém só era entregue do portão pra fora.

Por que estou com uma dor de consciência ao lembrar das vergonhas por mim distribuídas? me lembro várias vezes de ter convidado-o pra entrar na minha casa e quantas vezes ele entrou e sentou, não! não posso me comparar com os outros, eu fiz a minha parte. O que eu doei a esse menino que não me deixa dormi tranqüilo?

Ele tem uma micro empresa, não o Th e sim o doador. Descobri a causa dessa dor de consciência. É que doador são os homens mais covardes e os mais medrosos que existe sobre a terra. Existem vários de diferentes espécies, mas essa espécie, a mais conhecida, doa pra poder não ser atacado pela presa. A qual espécie de doador eu pertenço?

Th não era bobo e sabia que alguma coisa no colégio não tava maneiro. Como pode até aquela idade ele não saber ler? já estava com 17 anos, passou a ir pro baile. Mulher, bebida, cigarro e falta de roupa pra cobri suas vergonhas. Analisou os pros e os contras e
concluiu-se no pensamento de Th

– que saber! eu vou é arrumar um trampo.

Um só não, vários. Lavador de carro, domador de cavalo, taxista de feira, bicicleteiro, vendedor de bala, ajudante de caminhão, jogador de pelada. Um dia a mãe de Th chegou até mim me pedindo uma ajuda dizendo que não estava mais agüentando com ele. Não a respeitava. Ficava na rua até tarde. Colocou na cabeça que não ia mais estudar e que seria bandido. Quando fui dar uns conselhos pra ele me assustei. Naquele momento senti que Th já estava crescido e que não adiantava mais distribuir vergonha embrulhada em papel de presentes. Seus olhos me diziam um papo reto: "quando eu era menino eu entendia como menino, agora eu sou homem". E era mesmo. Depois daquele desenrolo senti que Th tinha um olhar desconfiado. Mas será que até eu fazia parte daquele mundo de desconfiança de Th? Quantas caridades eu lhe fiz. Quantas vergonhas eu lhe tinha doado.

Th virou bandido e o doador estava seguro. Não sofreria nenhum reflexo na favela, pois doou de mais. Th era muito esperto pra ganhar dinheiro, pois sabia como todo bom favelado se virar, mas ele jamais saberá a espécie de alguns doadores.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Batruck e Lata Doida na favela do Muquiço
Não dá pra esperar chuva de prata cair do céu, os tiroteios nao param de acontecer e a máquina produtora de traficantes funciona a todo vapor. As escolas não funcionam e o emprego é pra quem estuda, os órgão públicos de cultura são quase inexistentes na periferia e as grandes ongs são profissionais demais para gerar uma mudança de fato, fazendo a sua parte e esperando que o governo faça a dele. No final das contas se conclui: A iniciativa deve ser do povo!
Indignados com essa situação, membros de igreja evangélica Congregacional de Bento Ribeiro e um estudante de serviço social tomaram a iniciativa de gerar novas referencias através da percussão. A reunião acontece aos sábados no espaço da laje. E as oficinas trabalham com diversos ritmos populares em uma linguagem descontraída e participativa. Todo mundo que chega é bem vindo. No final há uma roda de bate papo, sobre histórias bíblicas e questões ligadas a cidadania como violência, tráfico, discriminação, preconceito entre outros... A partir dessa visita, foi estabelecida uma parceria entre o Lata Doida e o Batruck, que também adotará a linguagem do reaproveitamento em seus instrumentos, possibilitanto um barateamento da oficina e uma conscientização socio-ambiental da comunidade.

Breve historico

Favela do Muquiço está localizada em Deodoro que, como canta o grande Sambista Ney Lopes, um dia já foi Sapopemba, engenho fundado em 1612 pelo jesuíta Gaspar Dutra. Muquiço, segundo o dicionário Gauches-Portugues:
1.lugar sujo ou onde reina grande desordem.

Assim como Favela não pediu pra ser Favela, Muquiço também não pediu pra ser Muquiço, sendo os conquistadores de além mar os verdadeiros batizadores dessa dita cuja “ sujeira ou desordem” que há.

Como é sabido de todos, a elite que muda tudo quando quer e “bem entende” está querendo tirar o nome Favela das nossas memória e tentando introduzir o de comunidade, um eufemismo paliativo mais contemplativo. Não sei os favelados e Muquiceiros como eu, mas eu Nego! Favela assim como Muquiço, mesmo não concordando com esses dicionários de elite de plantão, faz parte de minha historia e se tiver que mudar que seja através de nós.

Mas vamos ao que interessa. Fazendo uma pesquisa no pai dos burros, Google, percebi que as informações divulgada sobre essa favela estão todas ligadas com crime, morte e por aí vai.
O pai dos burros esquece de informar que aqui nessa Favela tivemos um grande Bloco Carnavalesco Namorar Eu Sei, fundado na década de 60 e que arrastou multidão pela rua da Praça Onze. Torrão, Syrlei, Saulo, Jorge Veludo, Valdir Caramba, Altair, Miro, Benjamim e Bolão, entre outros Personagens desse enredo, compuseram sambas de prima, de fazer cabrocha soluçar e ditos malandro ficar de joelho. Pra matar a curiosidade aí vai um trecho de uma Samba de Torrão:

A favela está dormindo
eu estou chegando agora
vem rompendo aurora
curti, sempre curti
e amanhã não sei o que será de mim.



O Pai dos burros faz jus o nome e esquece de informar que no Muquiço temos uma grande rezadeira que, segundo o Muquiceiro Jairo de Aguiar, Professor de educação física pós graduado pela UFRJ e que por sinal é grande conhecedor de futebol, disse, em alto e bem som, pra todos na esquina do beco do espinheiro: “ eu vi com esse olhos que a terra há de comer, o fulando grande crack do flamengo entrando no cafofo da Dona pra receber uma reza”. E dizem os jornalistas muquiceiros de plantão, formados na primeira turma da faculdade de meio de esquina, que um grande batedor de falta do urubu ia muito lá pedir pra vovó rezar seu joelho quando estava bichado, é.... em quanto a vovó baixava os bambas da bola cantava pra subir .

Essa nova safra da seleção bem que podia, antes de ia pra copa com o joelho bichado e tantas mais ziquiziras, ter entrado no sapatinho no barraco. Se eles soubessem que no Muquiço tem uma vovó que cura lesão sem cobrar um tostão, enh!?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Amor a Favela

Favela eu estou com você
E quero morre sem me emancipar
Favela abre as portas pro mundo
Que seu coração é profundo
e tem muito amor pra dar.

Ela se mostra tão simples
mas a todos atinge
com seu jeito acolhedor
Querem seu segredo
de mais de um século andado
esbanjando felicidade
resistindo com muita dor.

Favela dos tempos de criança
Onde “Namorar eu sei” era herança
Fazendo a negrada se requebrar
Favela banhada pelo rio
diversão dos meninos
na arte de nadar.



A alegria que me deste
não encontraria em outro lugar
Favela, berço dos terreiros
onde forma os enredos
fazendo toda gente sambar.

De dia és guerreira na luta derradeira
de noite aos gritos, espia os milico
fazendo seu povo calar.

Favela
mina de ouro
onde o povo é capital social
querem seu estandarte
acabando com seu carnaval.

Tecnicistas engravatados, não se sabe até quando,
vão te transformando em bode expiatório
dos problemas sociais.

Um dia tu gritaste: “assim não dar, pois o povo que ajudei a
criar, cooptado pelo sistema querem agora me ver definhar “.

Favela eu estou com você e assim como o seu
Quero ver meu amor constantemente se renovar.