quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O doador

Th é um garoto muito bom. Ajuda sua mãe em casa lavando a roupa, lavando louça, varrendo a casa e cuidando de seus irmãos, tudo que as pessoas pedem ele faz. A mãe de Th é uma mulher calejada da vida, ex usuária de droga, já espraguejou muito ele. Um belo dia perguntei pra ela, Vera por que você não deixa seu filho fazer parte da ong caridosa? lá ele vai aprender uma profissão, fazer teatro e jogar bola. Ela, com a certeza de que sabe que o melhor pra seu filho é estudar e fazer parte de um projeto social, mas se defrontando com a deusa realidade responde: Ah! o Th me ajuda muito em casa.

Depois de algumas insistências ela deixa o garoto entrar no projeto, mas alguma coisa não o prendeu lá dentro e ele passa a catar a vergonha da sociedade pelas ruas da favela. TH tambem passa a pedir na casa do vizinho da rua ao lado a vergonha de sua mãe, dinheiro pra comprar um leite e um pão. Th passa a pedir a mim e aqueles que os dão confiança a vergonha de nossa orgulhosa caridade um real pra jogar um flipe, comprar uma pipa ou pra rodar um pião. Seu olhar só expressa faltas e carências. Eu, como muitos, vou dando dez reais, uma camisa no natal, um prato de comida. Um conselho aqui outro ali. Inclusive Já dei até um tênis. Dia desses ele aparece com uma bicicleta. Quem o deu mora numa casa bem grande, tem um carro, uma moto “ralidvison” e uma casa de praia. Th era tão necessitado que eu só pensava no que eu podia te dar. Quando meus recursos foram ficando escassos eu passei a dar o maior tesouro que um ser humano tem guardado e que jamais irá faltar: as promessas. -Th, hoje estou quebrado quando melhorar eu te dou uma moral.

Th já teve várias profissões. Taxista de bolsas na fera, domador de cavalo e piloto de carro, não! essa, apesar das facilidades, ele não foi. Engraçado, pra quem montava em cavalo de quatro patas ser piloto o tiraria dessa vida de Playboy pedinte. Ainda mais com uma pista de corrida bem próxima da sua residência. Quem sabe um dia levantasse uma bandeira do Brasil estampada numa camiseta da Nike e comemorasse todo orgulhoso o seu primeiro ganho

Jamais vi Th entrando na casa das pessoas que distribuíam caridade. A vergonha ia até embrulhada num papel de presente, porém só era entregue do portão pra fora.

Por que estou com uma dor de consciência ao lembrar das vergonhas por mim distribuídas? me lembro várias vezes de ter convidado-o pra entrar na minha casa e quantas vezes ele entrou e sentou, não! não posso me comparar com os outros, eu fiz a minha parte. O que eu doei a esse menino que não me deixa dormi tranqüilo?

Ele tem uma micro empresa, não o Th e sim o doador. Descobri a causa dessa dor de consciência. É que doador são os homens mais covardes e os mais medrosos que existe sobre a terra. Existem vários de diferentes espécies, mas essa espécie, a mais conhecida, doa pra poder não ser atacado pela presa. A qual espécie de doador eu pertenço?

Th não era bobo e sabia que alguma coisa no colégio não tava maneiro. Como pode até aquela idade ele não saber ler? já estava com 17 anos, passou a ir pro baile. Mulher, bebida, cigarro e falta de roupa pra cobri suas vergonhas. Analisou os pros e os contras e
concluiu-se no pensamento de Th

– que saber! eu vou é arrumar um trampo.

Um só não, vários. Lavador de carro, domador de cavalo, taxista de feira, bicicleteiro, vendedor de bala, ajudante de caminhão, jogador de pelada. Um dia a mãe de Th chegou até mim me pedindo uma ajuda dizendo que não estava mais agüentando com ele. Não a respeitava. Ficava na rua até tarde. Colocou na cabeça que não ia mais estudar e que seria bandido. Quando fui dar uns conselhos pra ele me assustei. Naquele momento senti que Th já estava crescido e que não adiantava mais distribuir vergonha embrulhada em papel de presentes. Seus olhos me diziam um papo reto: "quando eu era menino eu entendia como menino, agora eu sou homem". E era mesmo. Depois daquele desenrolo senti que Th tinha um olhar desconfiado. Mas será que até eu fazia parte daquele mundo de desconfiança de Th? Quantas caridades eu lhe fiz. Quantas vergonhas eu lhe tinha doado.

Th virou bandido e o doador estava seguro. Não sofreria nenhum reflexo na favela, pois doou de mais. Th era muito esperto pra ganhar dinheiro, pois sabia como todo bom favelado se virar, mas ele jamais saberá a espécie de alguns doadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário